Artigo
Eis que sumi, porém só hoje dei-me por conta
Por Gustavo Jaccottet
Advogado
Queria escrever sobre liberdade. Sonhei que Thomas Jefferson repetia que o preço da liberdade é a eterna vigilância. Problema que à medida que as demandas crescem, o volume do que preciso ser observado para a garantia daquela garantia é cada vez maior. Como um ser que agora é invisível e não é notado nem mais pelos transeuntes fica fácil falar sobre isso sem medo do cancelamento. Os censores são me atingem, pois depois deste texto, de certa forma, deixarei de existir.
Estou ausente destas páginas faz tempo por motivos razoáveis. Não deixei de ler os textos que dia a dia são postados por aqui e sinto que o Jornal precisaria mais de mim mais do que eu dele. Soei egocêntrico, não? Isto foi falado por um terceiro, não é o sentimento que está ao âmago. O periódico está ótimo sem os meus artigos; provável que até melhor do que quando escrevia.
Seria pertinente rabiscar um ou dois textos até que algum fosse publicável para dizer, "vejam cá estou, não sumi, ainda estou lá, não me fui". Não consegui. Parece que cada linha era um pneu preso ao pescoço e das poucas palavras que caíam em cauda, poucas eram agradáveis ao estilo que prezo.
Voltando ao tema da primeira linha. A liberdade é um conceito aberto e perigoso. Noto que tentam explicá-lo como a equação de uma reta em geometria analítica, porém o resultado é uma curva. Absolutamente normal ao ser livre, mas eles se frustram e choramingam. Os censores, diferidos em redes sociais, logo posso escolher quem é a minha plateia, direcionar fatos e contos literários a quem com certeza há de gostar e comprar a ideia. É conveniente, simples e indolor. A dor vem com a oposição.
Por anos ouvi elogios e quando chegou a primeira crítica, ainda que de forma anônima, meditei sobre e vi que era o momento de mudar a forma de abordar os temas que tanto gosto. Dali em diante abandonei o "meu democrático" a me reduzir ao sabor dos meus leitores, não de todos, notem. Se é isto que eles querem, logo o terão. Fui ingênuo.
Infelizmente não sou Charlie Kaufman. O receio que surge é de que meu espaço está cada vez mais distante e este texto indica que preciso ocupar o tempo com novos objetivos e desafios, por isso aproveitei a Black Friday e comprei um faqueiro. Assim que o entregador privado, bem mais eficiente que a estatal que antes trazia as correspondências, o deixou à porta, dei início a um novo e ousado projeto: entortar de garfos, assim como Uri Geller. Vou criar um TikTok especificamente para isto.
Claro que o tempo que atrairá a atenção será tão limitado quanto a falácia de ser um paranormal, mas há vantagens para mim e também aos leitores. Fico por algum tempo com a cabeça ocupada e apenas mantenho a rotina de ler o que os outros escrevem sem precisar me pautar com os que dizem que só falo bobagens, como quando voltar a escrever apresentarei um diário sobre a vida e a obra de alguém que tentou fazer algo extraordinário e deu-se por conta de que o espetacular vive no ordinário, no comum, nas linhas aberrantes de chatos e incautos, de corcundas e não corcundas.
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